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Dezembro 24, 2018
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Inês Castel-Branco: Tenho muito o hábito de cuidar.

/ RAWSTØRIES

Entra-nos pela casa dentro todos os dias, há vários anos. A forma divertida, leve e por vezes desafiante, como parece deslizar pela vida e mostrá-lo ao público, faz-nos esquecer facilmente, a nós e a ela própria, que a Inês cresceu a olhos vistos; porque aos olhos dela, os seus valores e as suas prioridades estruturais, sempre foram matéria inegociável. A simplicidade, a gratidão e a humildade, são só algumas das qualidades que ressaltam nesta conversa disfarçada de entrevista. E o humor, sempre o humor. Porque não há nada melhor que ter por companhia, numa ilha deserta, alguém que nos faça rir.

 

Ricardo Pereira da Silva [RAWPHØTOLOGY]: O que fizeste da vida, Inês?

Inês Castel-Branco: Acho que aproveitei o facto de ser privilegiada e tenho tirado o melhor da vida. Também tive muita sorte por ter descoberto muito cedo aquilo que gosto de fazer. E ter tido oportunidades nessa área. Há muito poucas pessoas que têm essa sorte.Então, entre a família espetacular, que tenho – que, graças a Deus, não tem muito dinheiro, portanto não há discussões -; a saúde que tenho; o ter descoberto cedo o que gosto de fazer; o ter oportunidades nessa área e ser, comparativamente com o ordenado mínimo, muito bem paga; ter conseguido ser mãe cedo, que sempre foi um dos sonha da minha vida… No fundo, acho que tenho aproveitado bastante a minha vida. E, depois duma época em que trabalhei muito, porque houve uns anos em que trabalhei mesmo muito, agora estou a recolher os frutos disso e tenho viajado, que é outra das coisas melhores da vida. Portanto, este ano essa pergunta é mesmo na mouche porque acho que estou a aproveitar tudo o que trabalhei até agora…

RPS: E o que é que a vida fez de ti?

ICB: Se calhar, a vida fez-me um bocadinho menos romântica. Um bocadinho mais realista, menos utópica e mais terra a terra.

RPS: Perante a ausência de ruído, o que fazes normalmente? Pensas?

ICB: Por acaso tenho dificuldade em lidar com o silêncio. Eu gosto muito de música, portanto quando posso estou a ouvir música. E agora também tenho uma nova obsessão que são os podcasts. Portanto, na ausência de ruído, faço ruído.

RPS: Que tipo de podcasts gostas de ouvir?

ICB: Gosto muito de coisas de crime, mas também de coisas normais tipo insólitos, oiço American Life, Radio Lab,…

RPS: Quando escolhes a roupa que vais vestir, estás a vestir um personagem ou a despir-te de ti própria e da tua personalidade?

ICB: Eu acho que visto um personagem. Não tenho um estilo muito coerente. Tanto me apetece vestir de princesa, como, no dia a seguir, de ‘rockeira’. Já reparei nisso e já falei sobre isso algumas vezes. Parece até que é falta de personalidade, mas não é, porque depois a coerência é, se calhar, no arriscar e no estar-me nas tintas. Depois, também tem muito a ver como é que acordo, se me estou a sentir gorda ou feia ou gira,… Depende um bocado do que é que queres esconder ou mostrar.

RPS: ‘Tudo por paixão’ ou ‘Tudo por amor’?

ICB: Tudo por Amor.

RPS: É possível amar um homem ou uma mulher da mesma forma que se ama um filho?

ICB: Não. É impossível. Não é possível amar ninguém da mesma forma que se ama um filho. É incondicional. E o amor por um homem, no meu caso, não é incondicional. Há muita coisa que pode modificar, desiludir… Os nossos filhos, quando nos desiludem, nós gostamos deles na mesma… Mas sim, se há pessoas que conseguem isso, eu também gostava de conseguir. Mas não creio que haja…

RPS: Eu tive um tio-avô, que era químico. Há muitos anos o laboratório para o qual trabalhava mandou-o 15 dias para uma ilha do Pacífico para estudar uma planta. Ao chegar ao único resort que havia na ilha, o gerente disse-lhe que só havia mais um hóspede, com quem ia partilhar o resort durante os próximos 10 dias. O gerente levou-o até ele e quando o hóspede se levantou para o cumprimentar, percebeu que ia passar 10 dias sozinho com o Marlon Brando, que ali estava isolado para decorar o papel do próximo filme… Se tivesses essa oportunidade, quem gostarias de ter por companhia?

ICB: Ui! É muito difícil! Pode ser alguém que já tenha morrido?

RPS: Pode.

ICB: Provavelmente, com a Nina Simone. Alguém que me desse música e fosse super talentoso e, no caso dela, vi um documentário, e acho que ela devia ser mesmo muito interessante. Pouco diva e muito interessante.

RPS: E se fosse um actor ou uma actriz?

ICB: Se fosse um actor ou actriz,… Eu gosto muito da Meryl Streep. E gosto muito da Julianne Moore. Actor,… Se formos falar de um crush, o Ethan Hawke. Se formos falar de admiração, gosto muito do Morgan Freeman, pese as notícias pouco simpáticas que saíram sobre ele. Gosto do Robert Downey Jr. e acho que ele me ia fazer rir, de certeza. E rir, é o que uma pessoa quer numa ilha!

RPS: Nenhum português?

ICB: Olha, gostava muito de ter conhecido melhor o Nicolau Breyner. Quer dizer, eu conheci-o, mas era uma coisa circunstancial. E toda a gente me diz que ele era incrível. Nas mulheres, provavelmente uma amiga minha, a Custódia Gallego, a Maria João Luís,…

RPS: Ser bom actor implica leveza ou peso no chão?

ICB: Implica só verdade. O que descobri ao longo dos anos é que se nós tivermos ‘a fazer de’, não é tão convincente como quando estamos a sentir. Em vez de estarmos a fingir que somos aquela pessoa, temos mesmo que sentir que somos aquela pessoa. Portanto, para mim os trabalhos que melhor me correram, foram os trabalhos feitos com maior verdade. Foram aqueles em que eu melhor conseguir sentir como a personagem, viver aquela emoção da personagem; em que outra personagem me diz alguma coisa e eu reajo de imediato como se estivesse mesmo na pele da personagem, e não ‘a fazer de’.

RPS: [Sanford] Meisner ou [Constantin] Stanislavski?

ICB: Nem um nem outro. Não uso método nenhum. Uso o meu. O que não quer dizer que esteja certo. Mas, de todos os métodos, o único que eu estudei foi o do Stanislavski. Mas ainda outro dia estive a fazer uma personagem que existiu e reli os livros; e aquilo que eu aprendi a primeira vez que os li e o que eu senti agora, não tem nada a ver. Acho que quando há falta de método nós criamos o nosso próprio; e de repente os outros métodos são um bocado estranhos. Foi o que me aconteceu agora. E o meu método tem funcionado, portanto…

RPS: Gostas de chocar?

ICB: Já gostei mais. Quando era adolescente fazia imensas coisas para chocar. Porque também queria que os meus irmãos me largassem. E deixassem de me proteger. E hoje em dia, não. Já me passou há uns anos… Quer dizer, sou um bocado desbocada, mas não é para chocar, é porque não tenho muitos filtros…

RPS: É uma forma de mostrares o que sentes ou de te esconderes?

ICB: Acho que é uma forma de mostrar o que sinto. Até isso mudou muito. Consegui encontrar um equilíbrio entre ser desbocada e dizer coisas que não devia. E hoje em dia quase que já não digo coisas que não devo. Mas não tenho vergonha de dizer o que penso e às vezes até ser inconveniente. Mas já não o ponho noutras pessoas. E foi esse equilíbrio que descobri.

RPS: Cão ou gato?

ICB: Cão.

RPS: Porquê?

ICB: Porque sempre tive cães, a vida toda. Porque tenho dois, já velhinhos, que estão comigo há 14 anos; e o meu filho, agora, pediu-me para quando eles morrerem, termos um gato e eu estou a considerar. Mas acho que o cão… Os meus cães são pessoas. Até o Simão nascer, eu dizia que eles eram meus filhos. E ainda digo. Portanto, cães. Não sei, acho que os gatos são mais independentes. É bom quando se tem uma vida em que se está sempre a viajar, mas não são tão dados.

RPS: É uma aprendizagem ter um gato. Eu nasci a gostar de cães e cresci a aprender a gostar de gatos. E costumo dizer, hoje com grande certeza, que quem não gosta de gatos, provavelmente não está preparado para gostar de pessoas da melhor das formas.

ICB: Pois, a minha mãe costumava dizer que eu tinha uma relação muito estranha com gatos, quando era criança. Ela acha que eu fui gato noutra vida. Mas eu não acredito noutras vidas. Diz que eu, desde que nasci, sou super felina e que quando me aparecia um gato, ficávamos os dois a olhar um para o outro durante meia-hora, sem nos mexermos.

RPS: Um cheiro da tua infância, que nunca mais tenhas esquecido?

ICB: Os bolos da Concha, a pastelaria de São Martinho do Porto.

RPS: E o cheiro de alguém?

ICB: O perfume da minha mãe, que na altura era o Paris. Agora já tem outro há anos. Lembro-me do frasco. A minha mãe não saia muito, Vivia muito para nós. Mas lembro-me dela a arranjar-se, a pôr o baton, para ir jantar fora. Sempre com esse cheiro.

RPS: O que te comove em menos de nada?

ICB: Hoje em dia, tudo. Assim, a coisa mais infalível são aqueles talent shows, as audições… Qualquer pessoa que me surpreenda pelo talento, arrepio-me logo.

RPS: Tipo America’s Got Talent?

ICB: Sim

RPS: Portanto quando o Simon Cowell se comove, já tu estavas lavada em lágrimas há uns minutos…

ICB: Infalível… Mas, sei lá, a gargalhada do meu filho. Os actos de amor entre casais… Sou muito sensível, comovo-me com pouco. Até com anúncios, às vezes.

RPS: És feliz?

ICB: Sim.

RPS: E realizada?

ICB: Sim. Se me perguntasses há um ano eu não respondia com tanta veemência. Mas sim, estou numa fase em que estou super grata e feliz com aquilo que alcancei.

RPS: Quando somos pais ou mães, acreditas que é nesse momento que começamos a regressar para ‘casa dos nossos pais’ e para os sítios onde fomos simplesmente mais felizes?

ICB: Não. Aquilo que senti é que passei a perceber muito melhor muitas atitudes da minha mãe, que eu achava invasivas e exageradas… A perceber que, de repente, está ali um terceiro braço e não dá para viver sem ela.

RPS: Creio saber que gostas muito de fotografia… O que te atrai e o que te assusta, na Fotografia?

ICB: Muito. Assusta-me não perceber muito da técnica, coisas como o shutter speed, a abertura, etc. E atrai-me aquela velha frase ‘Uma imagem vale mais que mil palavras’. E agora foi um bocado banalizado, esta coisa do Instagram. A primeira vez que fui ao Instagram, que ainda só era mais conhecido no Brasil e no Japão, lembro-me que o que me encantou foi o ter, à distância de um dedo, imagens incríveis do Mundo todo. Não tinha nada a ver com selfies ou com os nossos amigos. Eram mesmo boas fotografias de sítios lindos de todo o Mundo. E essa facilidade com que nós podemos chegar a imagens que dantes não chegávamos… Eu lembro-me de ter que ir às enciclopédias, livros, para procurar imagens. E hoje está tudo na internet. Banalizou-se um bocado, mas também é verdade que hoje conhecemos muitas mais coisas, que dantes não era fácil conhecer sem esforço. O que não assusta é isso: a globalização das imagens.

RPS: Um brinquedo que te tenha marcado para sempre?

ICB: Os Nenucos.

RPS: Quando é que percebeste que já eras adulta e não havia volta a dar?

ICB: Cedo demais. Quando fui viver sozinha, aos 17 anos. e arrependo-me. Das poucas coisas que me arrependo na vida, foi ter saído tão cedo de casa.

RPS: Porquê?

ICB: Porque, com esse dinheiro, tinha feito coisas que as pessoas com 17 anos faziam. Viajar, interrails,.. Quis ser crescida muito cedo, ter um cartão de crédito e a carta e uma casa. E podia ter adiado isso uns anos e ter feito outras coisas.

RPS: Achas que, de alguma forma, aquilo porque lutaste na altura, deitou por terra coisas que eram naturalmente importantes para a construção da tua pessoa?

ICB: Sim. Eu sempre quis ser mais velha, desde pequenina. Também porque tenho irmãos mais velhos e a minha mãe sempre falou comigo como se eu fosse mais velha. E depois porque é muito feminista e portanto a coisa da emancipação sempre foi uma constante. A coisa que mais ouvi dela na vida, foi ‘tens que ser independente, financeiramente’. Portanto, foi o que me aconteceu e quase resultou n uma lavagem cerebral. O primeiro ordenado que eu tive foi… Vou ser independente. E pronto, saí de casa. Fui parva, mas pronto, a vida é feita disso. Se calhar não era a pessoa que sou hoje…

RPS: O que quer dizer a palavra Mãe, para ti?

ICB: No que respeita à minha mãe, é um pilar. No que respeita a mim, enquanto mãe, é um privilégio.

RPS: E Pai?

ICB: No que respeita ao meu pai, diz pouco. No que respeita ao meu filho ou sobre os pais que eu admiro, talvez signifique desejo. Desejo de encontrar um pai ‘fixe’, que me dê mais filhos. Ou não.

RPS: O que é um pai ‘fixe’?

ICB: Sei lá… É uma pessoa que partilha tudo com a mãe.

RPS: Engraçado, tens uma óptica sobre Pai, não tanto focada no filho mas na relação com a mãe…

ICB: Sim. Porque se partilhar tudo comigo, o filho está sempre em foco. É só ser mais equilibrado. E acho que nas novas gerações, é cada vez mais. Os filhos, hoje, têm muito mais sorte, a vários níveis.

RPS: Fidelidade ou lealdade?

ICB: As duas, se possível. Acho que a lealdade é mais fácil. Se estivermos a falar de fidelidade entre um casal, é cada vez mais difícil para as pessoas ser fiel. Não é que eu eu me identifique com isso, mas não posso deixar de olhar à minha volta e render-me às evidências. Antigamente era uma coisa que eu julgava muito e me deixava mesmo muito irritada. E qualquer amiga minha ou amigo que passasse por isso, eu não compreendia. Mas à medida que os anos foram passando, passei a aceitar melhor, porque se acontece com toda a gente, é porque se calhar o que não é natural é a monogamia…

RPS: Concordo que hoje em dia é mais difícil, mas continua a ser possível…

ICB: Também acho que é possível. Eu sempre fui fiel. Mas é muito difícil. Hoje em dia as coisas são tão mais descartáveis. As pessoas desistem muito mais facilmente. E como já e comum ser infiel, cada vez as pessoas sentem menos culpa, porque está mais instituído. Portanto, é quase como um momento de fraqueza a que as pessoas têm direito. E todos temos direito a ter momentos de fraqueza…

RPS: Parece que andamos numa fase em que todos temos que ter direito a tudo o que são direitos. Já os deveres… Li há dias uma frase que dizia que ‘estamos todos tão habituados a gostar das flores pelas pétalas e não pelo caule, que quando vem o Outono nos sentimos perdidos’. E na realidade é através do caule que a seiva chega a todas as extremidades da flor, incluindo as pétalas. É uma excelente lição sobre o amor.

ICB: Que bonito. É mesmo. É como aquela frase que os mais idosos dizem, ‘No meu tempo, quando alguma coisa estava estragada, nós consertávamos’. Hoje em dia, deitam fora e compram outro.

RPS: Se pudesse mudar o Mundo, por onde começavas?

ICB: Começava pelo respeito pela Natureza, porque sem isso não vamos durar muito. Pela consciencialização sobre o que estamos a fazer ao ambiente, aos animais, com o lixo , o plástico,… A partir daí, vem o resto.

RPS: Uma memória muito feliz que tenhas da infância?

ICB: As manhãs de Natal. Acordar e ver se o Pai Natal tinha bebido o leite e comido as bolachas e os montes de presentes,… Não eram muitos, na verdade, nós nunca tivemos muitos presentes. éramos três, não havia muito dinheiro, já andávamos em colégios privados, portanto, basicamente, eu recebia um Nenuco, o meu irmão outra coisa qualquer,… Mas o corredor, nós de roupão, a abrir a porta, a olhar… Esse era um momento de grande felicidade. E depois, nos momentos em que jogávamos desportos de rapazes e eu ganhava aos meus irmãos e o meu pai gozava com eles… e eu ficava super orgulhosa, porque ele ficava orgulhoso de mim.

RPS: A tua vida conta-se muito por Nenucos, não é?

ICB: Era a minha cena de ser mãe. Era ter bebés à minha disposição. E mesmo com os meus amigos, hoje em dia sou ‘a mãe’, tenho muito o hábito de cuidar.

RPS: Muito maria-rapaz, mas muito mulher. És muito mãe, casa,…

ICB: Sou

RPS: Se houvesse uma catástrofe, qual seria o primeiro objecto que tentarias salvar em tua casa?

ICB: Os álbuns. No fundo, é a minha ligação com tudo de importante que me aconteceu. E dessas, já há muita coisa que eu já perdi. Num assalto, uma vez, roubaram-me o computador e tudo o que eu tinha do parto e da gravidez. Nunca mais vou ter uma foto desse momento.

RPS: Que memória tens de ti da altura em que eras criança e andavas no colégio?

ICB: Eu era um bicho! Dizem que eu falava muito pouco e que estava sempre a chuchar no dedo. E que era muito observadora, muito antipática, que era rarissimo alguém tirar um sorriso de mim. Tinha um cabelo tipo juba e não deixava que me penteassem, porque me doía. Portanto, imagina, era um bichinho, no cantinho da sala, a chuchar no dedo.

RPS: Tens alguma memória marcante do colégio?

ICB: Tenho uma que já não sei se é imposta ou se aconteceu mesmo, de tantas vezes que a ouvi. Não sei se, de tanto imaginar, criei a minha proporia memória… Na pré-primária, na hora da sesta, ia tapar o meu irmão à sala do lado.

RPS: Sabes que estás cada vez mais parecida com a tua mãe, não sabes?

ICB: Sei.

 


Fotografias: Ricardo Pereira da Silva [RAWPHØTOLOGY]

Entrevista e Sessão Fotográfica produzidas no âmbito do projecto editorial 60NTA 60MIGO, que assinala o 60º Aniversário do Colégio O Nosso Jardim, em Lisboa.

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