Rui Jorge Rego: O homem que o leão não pode esconder.
Já não é a primeira vez que dou por mim, em sufrágios que definem decisões que me impactam de alguma forma, a pensar nos critérios que levam as pessoas a preferir candidatos e a votar neles. Fico sempre com a impressão que raros são aqueles que lêem programas eleitorais e com a certeza que, na maior parte das vezes, decidem por critérios partidários e também pela impressão que têm sobre os candidatos. O resto, é o que se sabe: uma lista negra de candidatos que são bons a convencer o eleitorado, mas que muitas vezes não passam disso. Porque, como em quase tudo na vida, as pessoas medem-se pelas acções e nunca pelas promessas.
Depois de consultar o programa dos vários candidatos às eleições do Sporting, que é decisão que me impacta mais do que de alguma forma, gostei particularmente do programa de Rui Jorge Rego e da forma positiva e construtiva como sempre se apresentou a debate.
Quis conhecer e fotografar o homem por trás das ideias. Sem filtros. Sem preparação. Sem mais ninguém a assistir. De olhos nos olhos. Preto no branco. Ou como diria Hemingway, ‘Como 2 histórias que se encontram’.
Ricardo Pereira da Silva: Lembra-se de si como uma criança feliz?
Rui Jorge Rego: Eu tive uma infância dupla. Tive uma infância muito feliz quando vivíamos no Brasil, com uma qualidade de vida que acho que nunca mais vou ter, quer no colégio, quer na vivência do dia-a-dia. Vivia numa vivenda grande, estudava num colégio com 2 piscinas, salas de cinema, etc.
Depois apanhei um choque grande quando vim para Portugal, aos 8 anos. Vim viver para uma caixa de fósforos e para uma escola pública portuguesa.Mas recuperei. Fiz muitos amigos na Portela. Não tinha que ligar a ninguém para sair de casa, porque havia sempre alguém na rua. Ali, fiz várias coisas: tive uma banda de música, fui desportista; joguei muito ténis e futsal.
RPS: Uma criança que vive uma realidade dessas com 8 anos, pode ser revoltada ou mais preparada que as outras. Qual se aplica a si?
RJR: Nunca fui revoltado na vida. Com isso acho que só fiquei mais preparado. Aprendi coisas interessantes desde cedo, como aprender que tudo é relativo. Lembro-me de ficar de castigo na escola, quando cheguei a Portugal, por não concordar com a versão que a professora de cá nos contava sobre a história dos descobrimentos no Brasil, e confrontava-a sempre porque não era a mesma que me contavam no colégio no Brasil.
RPS: Qual foi a coisa mais importante que recebeu em criança?
RJR: Foram exactamente estas experiências. Foi perceber que, no fim do dia, o que conta são as pessoas e não tanto aquilo que cada um tem em termos materiais ou o teu estilo de vida; se és de sair à noite ou não, se és desta ou daquela classe social.
Eu tive um bar no Bairro Alto, frequentei vários tipos de ambientes e o que aprendi foi que há pessoas fantásticas em toda a parte.
RPS: Embora quase toda a gente saia à noite, há um estigma recorrente associado às pessoas que têm ou tiveram um negócio na noite. Acha que se passa o mesmo com as pessoas que estão ligadas ao Futebol? É depreciativo em ambos os casos?
RJR: Não acho. Mas sei que é fácil acontecer e percebo porquê. Há pessoas com muito dinheiro e que vão levando as suas experiências ao limite daquilo que o dinheiro lhes permite viver. E isso gera essa má imagem especialmente associada ao Futebol, que também não é ajudada pelos sucessivos escândalos que o Futebol tem vivido.
RPS: Quem tem experiência de gestão na noite, leva vantagem quando tem que gerir algo no Futebol profissional?
RJR: Acho que não. Eu tenho vindo, desde jovem, quer nas empresas quer na área associativa, a fazer gestão de pessoas. E o que é preciso é bom senso. É preciso saber de gestão e de liderança, mas no fim do dia, impera o bom senso e a disponibilidade para ouvir toda a gente. Quem está contigo todos os dias, também nesta campanha, precisa de atenção e de ser ouvido. Precisa de 10 minutos contigo ao telefone e partilhar contigo o que acha ser melhor para o Sporting. E jamais podemos esquecer que são todas essas pessoas que nos põem ali, à frente do Clube. E eu tenho a felicidade de trabalhar numa organização internacional que promove desporto para crianças com deficiências intelectuais, e sei a importância de ouvir e também de criar novos líderes, em vez de nos agarrarmos ao poder. Ali aprendi a agradecer o facto de alguém me atender o telefone e me dar 10 minutos do seu tempo.
Um dia li um livro do Ken Blanchard, que treina orcas para dar saltos entre outras acrobacias, através do reforço positivo. No fim do livro ele diz: ‘Agora imaginem o que se pode fazer com seres humanos, através do reforço positivo’.
RPS: Se os Regulamentos da Liga permitissem, era adepto de criar mais proximidade entre os adeptos e os atletas, como se faz por exemplo no Desporto Motorizado, ao permitirem que no fim das provas os adeptos possam cumprimentar os pilotos?
RJR: O Desporto tem uma vertente física, onde acho que já não é possível evoluirmos muito mais, porque já levamos o rendimento físico do corpo humano muito próximo do seu limite. E depois tem uma vertente emocional e psicológica, que essa sim, podemos evoluir. Acho que era super importante deixarmos de endeusar os atletas e criarmos essa proximidade, até para protegermos os atletas e permitir aos adeptos perceber o quão humanos os atletas também são. E depois, também para os atletas criarem ligações ao clube pela via dos afectos com os adeptos.
RPS: Ser do Sporting requer um nível de resistência humana, maior do que é pedida aos adeptos doutro grande clube?
RJS: Sem dúvida! Quem não ganha, sofre. E no Futebol Profissional nós não temos ganho quase nada nos últimos anos. E corremos o risco de dentro de pouco tempo, os nossos adeptos serem adeptos da Juventus ou do Real Madrid, e terem depois um clube a nível nacional, que é o Sporting.
Temos que inverter este ciclo, mais do que andarmos somente a dizer que temos que fazê-lo.
RPS: Há algum valor que seja inalienável para quem é sportinguista, entre os vários valores associados ao Sporting?
RJR: A Verdade Desportiva. É algo que para nós é intocável. Nós temos uma honra singular. Podemos perder mas dizer: ‘Não ganhamos, mas não somos iguais a tantos outros’. E isso é essencial para nós. Por isso o processo do Cash Ball e uma suspeição, seja a coisa que mais nos doeu entre os episódios recentes de má memória, mesmo que ainda esteja a ser julgado. É uma dor e custa muito explicar isto aos nossos filhos.
RPS: Quando o Helton, guarda-redes do F. C. Porto, se lesionou em Alvalade e foi levado em maca, os adeptos do Sporting aplaudiram-no de pé, como forma de homenagem ao homem e profissional que sempre foi. Só se pode ver isto em Alvalade?
RJR: Gostava que se visse isso em todos os estádios. Por isso defendo que, além dos bons jogadores e treinadores que temos, tenhamos também os melhores dirigentes. Numa indústria com a exigência que esta tem, não podemos ter dirigentes que, entre outras coisas, motivam o ódio e a raiva entre os adeptos. E isso começa na qualidade dos dirigentes e da Comunicação Social. Não é só o rendimento dos jogadores e treinadores que deve evoluir. Os dirigentes e a Comunicação Social também são parte desta indústria e os padrões de exigência devem ser os mesmos para com eles.
Os jogadores, na maior parte, são amigos entre eles. Dividem quarto na Selecção, moram muitos deles nos mesmos condomínios e juntam-se para conviver. Este espírito tem que se transpor para o resto da indústria.
O Helton é um dos homens que merece essa ovação. É um desportista e um homem exemplar. E teria tido lugar no Sporting.
RPS: No Futebol fala-se cada vez mais em Estrutura. Que relevância tem esta palavra para si, como homem, como pai e como candidato à Presidência do Sporting?
RJR: É fundamental! Por exemplo, os meus filhos, a minha mulher e eu, podemos ter um dia mau, mas temos que saber com o que contamos quando chegamos a casa. Os meus filhos sabem que têm regras, que têm horas para fazer várias coisas, que têm uma disciplina, para o bem deles e porque não vivem sozinhos. Mas também sabem que têm uma estrutura de afectos e de apoio que nunca falha. Isto aplica-se ao treinador e aos atletas. Sabem como vai ser o dia seguinte. A Estrutura dá segurança. E a segurança dá resultados.
Hoje olho para a equipa do Sporting, e sinto que a equipa não é feita em função da qualidade dos jogadores do plantel, mas em função da experiência dos que jogam e da minimização do receio, em detrimento do talento puro. Porque estamos numa Comissão de Gestão e não há segurança na estrutura. A Estrutura permite-nos arriscar mais e pensar fora da caixa, porque sabemos que se algo correr mal, está lá alguém que nos apoia sempre da mesma forma.
RPS: Na gestão de um clube, o detalhe é só um detalhe, ou faz toda a diferença?
RJR: Faz toda a diferença! Porque não é um detalhe: são vários. A vida de um clube é feita de surpresas. Um balneário é um organismo vivo. Quando estava no Futsal da Portela, nós tínhamos pessoas de várias classes, raças e realidades sociais e com os seus problemas pessoais de vários tipos. A disponibilidade tem que ser a mesma para todos. E isso requer gestão do detalhe. E garantir que todos funcionamos bem e em equipa, apesar dessas diferenças. Por isso a Estrutura é essencial. E o detalhe faz toda a diferença.
RPS: O que podem esperar de si, quando diz a alguém que pode contar consigo?
RJR: Os meus amigos sabem que eu os ajudo sem fazer juízos de valor, mas que quando me pedem a opinião, dou mesmo a minha opinião. O Sporting pode esperar de mim, aquilo que eu sou: gestor de pessoas, com bom senso, à procura dos melhores processos e resultados, e com a mesma ambição para o clube que tenho para mim. Um objectivo cumprido define sempre o início de outro objectivo. Não prometo títulos, porque eles dependem de muitos factores. Mas, se for Presidente, posso prometer trabalho e ambição e que quando deixar de o ser, o Clube estará melhor do que está hoje. E também do ponto de vista financeiro, isso é garantido.
RPS: A Vitória é uma Cultura?
RJR: Tenho a certeza absoluta. Fiz 2 desportos na minha vida: Futebol e Ténis. Um individual e outro colectivo. E no ténis é uma certeza ainda mais exposta. Vi muitos jogadores que jogavam melhor que eu e perdiam, porque a certa altura eles tinham dúvidas se iam ganhar ou porque relaxavam quando estavam a ganhar. E eu jogava cada ponto como se fosse o único daquele dia.
O truque, no desporto colectivo, é criar uma ligação tal entre as pessoas, que faça com que eu num dia mau, faça por mim e pelo outro, sem cobrar por isso. Porque sei que o contrário também se aplicará quando o outro precisar. Por isso também defendo que no Sporting deva haver um mental coach, porque se nota que por vezes há um bloqueio.
RPS: Existe o ‘Jogador à Sporting’?
RJR: Já não há disso. No Sporting há 3 tipos de jogadores: os que nunca lá deviam ter estado; aqueles para quem o Sporting é um trampolim; e os jogadores para quem o Sporting é o topo da carreira deles. Se olharmos para este últimos, aí poderemos encontrar alguns ‘à Sporting’ e que são uma referência para os que chegam. Mas eles no fim do dia são todos profissionais. Temos que os tratar bem e não achar que os valores do Sporting conseguem milagres por si só. Temos que os acarinhar e dar-lhes estrutura familiar todos os dias, porque os jogadores não querem só ganhar dinheiro: também querem ser bem tratados e ganhar títulos. E esta cultura deve começar precisamente nos jogadores que jogam menos, pois são esses que espelham exemplarmente o êxito da cultura e da estrutura de um clube.
RPS: Se lhe dissessem que só vivia mais um dia, arrependia-se de não ter dito algo a alguém?
RJR: Arrependia-me de não estar mais tempo com os meus filhos… (pausa) Isto mexe comigo, porque eu já apanhei um susto e tive uma hora em que não sabia se ia cá ficar…
Arrependia-me de não dizer mais vezes à minha mulher que a amo. Nós vivemos a vida a achar que tudo é certo. E às vezes descuidamos um bocado as pessoas que estão sempre lá para nós.
RPS: Se começasse hoje uma nova amizade, o que era essencial que o seu novo amigo soubesse sobre si?
RJS: Sou muito aberto. As pessoas conhecem-me rapidamente. E para mim as pessoas são todas boas quando as conheço. Não sei pensar mal das pessoas à partida, se não tiver razão para isso.
De mim? Não gosto de mentiras. Gosto que me digam aquilo que fazem e sentem. Seja o que for.
RPS: Não contando com a de há 2 minutos atrás, quando foi a última vez que se comoveu?
RJR: Eu comovo-me quase todos os dias. De tristeza ou de alegria. A ver filmes ou peças de teatro, a ver os meus filhos a jogar à bola ou num espectáculo em que entrem. Comovo-me quando eles se abraçam e dizem que gostam uns dos outros.
RPS: O que tem pena que o tempo tenha apagado em si?
Memórias. E tenho pena de ter a noção que vivi adormecido, durante uns 3 anos, na minha adolescência. Por alguma razão, não me dava aos sentimentos; e vivia duma forma mais robotizada e menos humana. E tenho pena de ter deixado passar esses 3 anos.
RPS: Se pudesse mudar algo no Mundo, por onde começava?
RJR: Por mim. Por aquilo que tenho que fazer todos os dias em mim e nos que influencio de forma positiva, porque acredito que é a melhor via para conseguirmos mudanças estruturais e que perdurem no tempo.
Tento fazer isso pelo exemplo, em casa e na rua. Como cidadão. E é o que tento passar aos meus filhos. Isso e andarem sempre com um sorriso na cara, tal como eu. Espero que também eles o vão passando aos outros.
RPS: Se pudesse dar um só conselho a uma criança, qual seria?
RJR: Nunca deixar de ser criança. Porque nunca devemos deixar de sonhar.
RPS: O Sporting, hoje, é mais comandado pelo Sonho ou pelo Medo?
RJR: O Sporting é comandado pelo sonho de ser campeão no Futebol profissional. Mas temos feito muitas asneiras.
RPS: O Sporting, tal como outros clubes e organismos, poderá ser vítima de ter dirigentes que se aproximam do clube motivados por ambição e vaidade pessoal, mais do que por qualquer outra?
RJR: Não creio. Acredito que a maior parte deles fez o melhor que soube e pode e se calhar, tirando Bruno de Carvalho, nenhum deles precisava do Sporting para alimentar o seu estatuto ou a sua vaidade, quando lá chegou.
Podem é ter gerido o clube com vaidade, que é outra coisa. E alguns quiserem transformar o Sporting numa elite, que é uma coisa inconcebível.
RPS: Se vencer no dia 8, qual é a primeira coisa que vai fazer como presidente?
RJR: Vou ligar aos outros candidatos e pedir-lhes para implementarmos juntos as boas medidas que estão nos seus programas, sem me apropriar da autoria delas nem da sua gestão.
RPS: A cultura do Sporting e um modelo de gestão focado nos resultados, só se deve aplicar aos atletas; ou também a toda a estrutura do clube, a começar pela pessoa que muda uma lâmpada num corredor de Alvalade?
RJR: A todos. As equipas são feitas assim, com todos. As pessoas precisam de sentir essa pertença e o valor acrescido da sua função, em todo o clube.
Se um atleta, adepto ou colaborador se lesiona num corredor porque faltava a luz duma lâmpada; ou se alguém não pode comprar uma camisola do ídolo duma criança para lhe dar um Natal mais feliz, porque alguém não geriu bem o stock, no fim do dia todos perdemos, mesmo que sejamos campeões no relvado. Cultura de Vitória é isso mesmo. Começa em baixo e tem que estar por todo o lado, para chegarmos lá acima.
E não estamos a falar do que eu acho. Isso está provado. Eu acredito na gestão pelo reforço positivo, porque o vivi na primeira pessoa na Special Olympics, uma organização não-governamental, que promove o desporto para pessoas com deficiência intelectual, que nasceu há 50 anos nos Estados Unidos e que está hoje em 180 países e tem 5 milhões de atletas em todo o mundo.
RPS: Portanto, se não for presidente do Sporting, não lhe falta o que fazer no dia 9?
RJR: Não. Nem o que fazer, nem paixão pelo que faço. Tive a sorte de me reconhecerem capacidades para gerir este projecto em Portugal, com o qual tanto tenho aprendido sobre pessoas e processos; e ao qual tenho dado o melhor de mim.